19 março 2009

A borboleta sem cor

De longe eu a vejo. Parado em um estacionamento, de dentro do carro, reparo em seu traço trôpego. Ela ameaça entrar pela porta aberta, recua. Procura a luz natural do lusco-fusco. Mas do lusco-fusco? Dá voltas em si mesma, como se quisesse fotografar os instantes com seus próprios olhos. Seus instantes. Mas recua novamente. Alguma coisa parece ser perturbadora. Ela mesmo pode ser? Dá voltas, cambaleia no ar. Parece bêbada. Penso: ela acabou de nascer e deve estar alucinada. Saiu do casulo. O mundo deve ser uma novidade. Não, ela está ferida. Por isso parece confusa. Mas se estivesse ferida não se arriscaria naqueles mortais, rasantes. Não seria tão velozmente indecisa. O mundo que fotografa em seus instantes é cinza. Não há cores, não há flores. Se eu fosse pintá-la não haveria nuances em nenhuma aquarela. Talvez se fosse esculpida em uma rocha encontraria a matiz perfeita. No mundo das ideias, dos mitos, ela seria chamada de bruxa. A borboleta sem cor. A borboleta feia. Volto. E a perco de vista. Aliás, eu me perdi. Pensamentos vagos. Meu olhar havia parado. Ela sumiu justamente na hora em que meu olhar parado buscava aquele instante. O instante dela. Talvez o mesmo instante procurado por ela. Do feio, do cinza. De um voo sem frescor, sem suavidade. Há beleza em fotografias em preto e branco? Ela sumiu quando a encontramos. Ela sumiu quando encontramos, eu e ela, o belo instante camuflado de sua poesia sem cor.