A catraca impenou justamente quando o Bodão passava. Todo mundo já começou a uivar: seu gordo. Bodão riu de lado, sem dentes e falou pra moça, a atendente: libera aí, minha fía (com o jeito macaco dele). A mulher olhou meio puta mas se controlou porque, afinal, era o trabalho dela. “Não dá”, disse. “Emperrou”. A fila atrás do Bodão se agitava. Agora, além dos toscões, até os grupos de casais saiam de seu mundo e se manifestavam: “ih, o gordo emperrou”, um cara vestindo camisa pólo com emblema de um time de pólo comentou. “Ou, faz favor, moça, me tira daqui aí”, solicitou Bodão. A moça chamou outro atendente. Na fila alguém já falava: “ou vamo aí, quando eu entrar o filme já vai ter começado”.
Como se a cena principal do filme estivesse do lado de fora do cinema, uma câmera em travelling corria a fila, captando cada um dos comentários. Bodão suava e ouvia cada uma das tiradas de onda com a sua cara, com a sua barriga. Um microfone captava tudo e jogava dentro da cabeçona do Bodão. Ele suava. “Gordo é foda”, “Puta, lá vem a baleia atrapalhar nosso cinema”, “preocupa não, o trailer é grande”, “saco”, “chama um guincho”. Para. A câmera sai agora de dentro dos olhos do Bodão, rápida. Ele grita. “Vá se fuder!” E chora feito um meninão que perdeu o doce. A atendente se descontrola, ri alto. Esnoba a existência do gordinho. O outro consegue. “Aqui ó, tava travado, era por causa do gor...não, do tamanho dele não, gente, peraí...”.
Bodão entra, senta e saboreia com raiva uma bala diet que comprou na entrada. Como nunca antes na vida, teve a certeza de que não vale a pena trocar nada por um mega-hiper pacotão de pipoca de cinema.