28 agosto 2008

Corajoso o bastante para ser covarde

Meu primeiro dia no pré-primário na Escola Estadual Bom Jesus. O ano letivo já havia começado. Eu era transferido de uma outra escola. Procurei a última carteira da fila para sentar. Algo que repetiria durante toda minha vida estudantil. A carteira estava vazia. Logo quando sentei, um coleguinha do lado me cutuca e diz: "ele senta aí". Ele? Quem meu Deus? No corredor entre as filas um moleque que parecia ser grandão, bem maior do que todos, vem andando em minha direção. "Eu sento aí', diz. Parecia até ter a voz mais grossa. Era tipo um yeti criança. Era o Francisco. Eu me levantei e sentei em outra carteira. O Francisco era gente boa. Depois virou meu colega. Eu podia ter empurrado o Francisco e caído na porrada. Ia começar minha vida naquela escola de um jeito diferente. Possivelmente ele pegaria no meu pé e a vida estudantil seria um transtorno maior. Quando me lembro dos meus primeiros anos em sociedade (família é outra coisa), as dificuldades sempre são provenientes do contato com os outros.

Os outros. E se não fossem os outros? Alguns dizem que eles são o inferno. Eu acordo de manhã e na esquina, dentro do carro, já tenho a paciência testada pelo sujeito que me fecha no trânsito. E se eu andasse sozinho? Se a rua estivesse vazia? Eu poderia correr pelado, rindo e gritando coisas sem sentido. Algo como "nusgla"! O que você gritaria? O fato é que me assombraria com a liberdade. Você não? Confessa, vai. Pois é, os outros nos afligem. Todos nos amolamos. Mesmo passivamente somos empecilhos aos outros. Talvez o maior desafio em viver é conviver. Esse é o pecado original. Você já parou pra pensar se você pressiona, amola, aflige, caceta, bisbilhota, atrapalha, observa e palpita a vida alheia? A reação pra isso tudo pode ser violenta. 'Que a paz esteja convosco'.

Paralamas do Sucesso, final da década de 90. Eu e um primo fomos vê-los ao vivo. Boas músicas, banda afinadíssima e empolgante. Showzaço. Nos posicionamos bem no centro do ginásio, logo ali à frente da mesa de som, em frente ao palco. Apenas uma corda nos separava do equipamento, da mesa de som e luz. Uma corda e um segurança troglodita. Eu quicava. Pulava alto. Sabia que às vezes, nas quedas, pisava em alguém. O segurança vai nos empurrando. Empurra de novo. Herbert Viana: "vamos tocar uma música de um pessoal de Brasília...". Aos primeiros acordes de 'Eu quero ver o oco', eu já começava a saltar. A bateria de João Barone fez a música dos Raimundos parecer bem melhor do que era. O segurança me cutuca (essas situações sempre tem um cutucão antes), eu viro e ele nem diz nada, só me peita. Ele esperava a reação. Eu disse: "aí, sabe o que que eu vou fazer?". "Hãn?", devolve o cara. "Eu vou praquele lado dali, ó". Cutuquei meu primo e andamos uns metros pra frente. Fim de papo. O show deve continuar. E continuou até o fim sem problemas, só sossego e alegria.

De cara com esse panorama assustador acima relatado, sobre a convivência humana, acho que o melhor é ser mais esperto e menos truculento. Não dá pra se irritar com cada atitude do colega ali do lado. Se você for peitar qualquer sujeito que lhe faça algo minimamente perturbador ou contraditório aos seus anseios, vai se dar mal. A vida em sociedade não permite que cada um faça o que tem vontade. Querer conseguir isso à força pode lhe custar o ar que respira (êta, eufemismo porreta) ou no mínimo o sossego. Nas situações em que sabemos que o ônus será completamente nosso é legal pensar bem. Ensine ao seu filho: nem corajoso, nem covarde, esperto. Bancar o herói pode lhe afagar o ego, mas também pode lhe tirar a chance de passear com os netinhos.


Eis o exemplo de uma situação difícil:


e aí, o que você faria?