26 julho 2011

As pernas da Branca e um conselho de pai

Muitas são as opressões na vida do homem. Desde a infância. O absurdo número de 'nãos' que a gente recebe desde bebê, talvez, corte todas as possibilidades da existência de um ser completamente feliz. A gente não pode comer isso, não pode "ir lá não", tem o famoso "ó, é feio fazer isso no tio" quando você puxa a barba do sujeito desconhecido que fica fazendo careta pra você rir. A gente, principalmente, não pode pôr a mão nos lugares. Sejam esses lugares os mais variados. Me lembrei de uma história da minha infância, não acho que seja relevante para esta crônica contar isso - e se for relevante descobrirei mais à frente -, mas o texto é meu e eu faço o que eu quiser, não é verdade? Então, na minha casa trabalhava uma empregada chamada Branca (não sei se isso era apelido, mas ela tinha características alvas mesmo). Eu devia ter lá pelos 3, 4 anos de idade e exercitava na Branca a lição de por a mão em lugares proibidos. Não, a coisa não era tão avançada como suas cabeças sujas pensaram, e eu sei que pensaram. Eu simplesmente adorava passar as mãos nas pernas da Branca. É sério, engraçado, mas sério. Não sei se tinha algum caráter sexual nessa história, prefiro acreditar que era simplesmente um exercício de textura e identificação de objetos. Exercício inerente aos animais recém nascidos. Cachorros cheiram as coisas, a gente passa a mão. E só. Afinal, eu lá brincando no chão, olhava pro lado e quando via as pernas brancas da Branca não podia adivinhar a indecência do meu gesto, quase científico. Me lembro de ter sido repreendido pela ação, mas, mais por gozação do que por autoritarismo. Parei de passar a mão nas pernas de Branca não por imposição, mas porque riam de mim. É aqui que eu quero chegar - e realmente descobri a relevância da história infantil -, quero falar do riso proibidor, do riso desmoralizante, da chacota humilhante, enfim, do humor do carrasco. Confessem, muitas das coisas que você não faz hoje, não faz por medo mesmo inconsciente de ser ridículo. E pior, as vezes não é nem ser ridículo, é de se sentir ridículo. Ah, o homem cresce subjugado à avaliação alheia. Desde moleque na escola, quando sente vergonha da mãe que vai te buscar e te tasca um beijo nas bochechas. Os outros vão pensar o que? Que você é mulherzinha, menininho da mamãe. Amanhã vão te bater e não te escolher pro time de futebol. Bobeira! Que nada, os outros também tem mãe, e toda mãe beija a gente. Se a sua não beija, para de encher o saco e vai arrumar uma mãe melhor, como a minha. Era isso que a gente devia dizer nessas horas. Mandar o outro às favas, de uma maneira mais atualizada dizendo: vai tomar no cu. Penso inclusive em ensinar aos meus filhos a importante lição de mandar os outros tomarem no cu. Quando o pequeno vier me contar a tiração de sarro recebida na escola, será o momento, e direi: "filho, sente-se aqui, quero lhe ensinar uma lição para o resto de sua vida. Quando te encherem o saco, abusarem da sua cara, não se sinta intimidado. Faça este gesto que papai te ensina agora. Isso, levante a mão, vamos deixar o dedo do meio sozinho. Pronto. Não me pergunte o nome disso, nem as raízes de sua significação, somente saiba o que representa neste momento. Representa que você está mandando a outra pessoa cuidar da vida dela, ir ver se você está na esquina, falando pra ela ir catar coquinho, e você nessa hora vai se sentir bem, livre". Quando crescer, meu filho aprenderá a usar o ensinamento em outras situações da vida. Quando largar o emprego alienante pra achar coisa melhor, quando interromper as horas de estudo no final de semana pra sair com os amigos, enfim, quando fizer as escolhas baseadas na sua vontade e não no que os outros pensam se é certo pra ele. Vai também aprender a não se preocupar com coisas mínimas, como esquecer a chave de casa (foda-se, dá uma volta por aí) ou perder o ônibus (foda-se, toma coragem, liga e pede carona pra colega bonitona). Vai saber que tudo é baseado na vontade de viver e ser feliz, e na profunda sensatez de mandar a morte ir tomar no cu.