17 janeiro 2011

Levando a vida desconfiado

Quando eu era moleque, me lembro que algo rolava no ar quando minha mãe anunciava: vou sair. Pairava a possibilidade de poder fazer alguma coisa que ela não gostasse, como ouvir música no volume máximo (incrível como aqueles 3x1 de antigamente tinham bem mais potência do que os aprelhos de hoje) ou passar trote telefônico (o preferido era o da Rádio Ituiutabana, mas isso vale outro texto). O fato é que quando ela fechava o portão e dobrava a esquina, era a hora de fazer alguma coisa só possível com a ausência dela. Será que ela sabia? Será que ela desconfiava? Depois vou perguntar.  

Hoje eu consigo imaginar como minha mãe se sentia quando virava as costas para nossa casa. Eu sinto isso quando deixo o carro no lava a jato. Sempre saio andando e pensando qual é a merda que esse sujeito vai aprontar? Deu pra notar que ele não fez uma cara confiável quando pegou a chave do carro. "Tudo certinho, patrão. Pode deixar, vai ficar limpinho". Quando o cara do lava a jato faz gracinha, aí é que desconfio mais ainda.

Em estacionamentos, quando sou obrigado a deixar a chave do carro, também penso que vou ser enganado, que vão arranhar o carro ou, no mínimo, soltar um pum lá dentro. O filme "Curtindo a vida adoidado" contribuiu para essa minha neura de estacionamentos. A cena em que Ferris Bueller sai tranquilo do estacionamento e, ao mesmo tempo, dois garageiros arrancam com a Ferrari do pai do Cameron Frye, é recorrente todas as vezes que deixo uma garagem. E olha que tenho um carro popular. Mas "tá pago" e "tá limpinho", como estampam aqueles adesivos.

O fato é que no comércio, normalmente, sou atacado pelo espírito desconfiado. Sempre fica uma impressão de que o vendedor está se livrando do produto, como se pensasse: "ufa, esse cara tá levando esse lixo, beleza", ou ainda, "se ele soubesse que por aí dá pra achar mais barato...". Fico intranquilo até quando a pechincha é grande. Eu sei que estou pagando barato e por isso mesmo fico com a impressão de que aquele botão de liga/desliga vai sair na minha mão na primeira vez que usar o produto.

Já pensei em começar a usar da sinceridade total com os vendedores, atendentes e lavadores de carro. Pode ser uma forma de pressionar o sujeito. Mostrar que você está de olho aberto. Mas sempre achei meio bobo quem tenta passar uma imagem de espertão. Enfim, em 99% das vezes, eu é que estou errado. O lavador não deixou de passar cera no carro e o produto pechincha funciona direitinho. Das outras vezes, quando noto alguma coisa estranha, até cobro, reclamo. Minha mãe também fazia assim. Não adiantava muito. Por isso mesmo eu sei, vão tentar me enganar de novo e de novo.  

 

 

 

Posted via email from O trem de Doido - Crônicas