31 agosto 2010

A noite em que aprendi o que era karma

Às vezes pego uma inércia e o pensamento vai longe. Mas não é sempre que solto o cabresto. Provo agora que tenho controle sobre minha cabeça. Em situações difíceis, principalmente. Me lembro da viagem com o bêbado. Essa eu duvido que monge zen-budista tivesse o auto-controle que tive.
Eu pegaria um ônibus pra Uberlândia, ver minha mãe e meu pai. Escolhi viajar à noite porque dava pra dormir no caminho, e quando me desse conta já tinha chegado. Na porta de entrada do ônibus, um casal conversava com um sujeito. Pela sinuosidade da conversa, notei que o sujeito tava bêbado.
- "Arh, que gracinha o menininho de vocês!", balbuciou o pé de cana.
- "É, é..., respondeu o suposto pai de um travesseiro.
Daí já pensei, "vai dar merda". Consagrando a falta de sorte como companheira desses momentos, sugeri comigo mesmo: "só falta esse bafo de pinga sentar ao meu lado". Conferida a passagem, alojei em minha poltrona e abri a janela. Gosto de sentar na janela porque eu posso ter o controle da intensidade de vento que entra. Assim, consequentemente, controlo a temperatura pelo menos em volta de mim (mais tarde teria controlar alguma coisa dentro de mim).
Felicidade e alívio ao perceber uma garotinha de uns 10 anos sentando ao meu lado. Melhor do que o melhor. Desse jeito eu podia até me espalhar. 
Vamos seguindo, diesel queimando e asfalto ficando para trás. Após alguns quilometros já me afundava em devaneios de sono. Com os olhos fechados e fone no ouvido, me sentia bem. Até que fui interrompido por uma abrupta sensação de que alguém estava sobre mim. Abro rápido os olhos e vejo o bêbado fechando a minha janela.
Não é póssível. Ele estava sentado na poltrona do outro lado, por que se intrometeu com meu ventinho? Tudo bem, deixa quieto. Passa um tempo, abro de novo a janela, pouco. Nessa hora a falta de sorte conseguiu entrar. Danada. Alguém ali na estrada deve ter se livrado de um pneu furado.
Acordo dessa vez e sem ouvir nada, só vejo a gênese do meu destino de sofredor. O bêbado trocava de lugar com a garotinha. Não passou um minuto o fedido já roncava. Sem controle nenhum, começou a cair em cima de mim, dos meus ombros. Olhei pros lados, procurei outro lugar. Nenhum vazio. Empurrei o cara. Feito um João Bobo ele ia e votlava. Empurrei de novo. Voltava.
A agressividade vem à tona quando não sabemos o que fazer. Quando não há saída. Muito menos uma racional. Mandei cotoveladas fortíssimas no sujeito. Até aumentava de intensidade. E nada. Ele só resmungava.
Será que ele fazia por querer? Queria me sacanear por ter deixado ir vento na garotinha? Sei lá! Só sabia que aquilo ali cheirava a álcool e castigo, sofrimento. Talvez karma?
Desculpem o trocadilho infâme. Mas por falar em karma, foi isso, na língua do Chico Bento, o que tive. Calma. Me afundei na minha poltrona, aumentei o volume do walkman (sim, na época era um walkman) e me fechei em uma cápsula pabliana. O mundo nunca foi tão pequeno. Cabia na circunferência exata da minha individualidade. É óbvio, fiz isso depois de pensar em vãs alternativas, como deitar no chão do ônibus.
Mas cheguei. Eu, minha mente e a capacidade de controlar a situação. Em chão mineiro, aprendi o significado sublime do karma.