20 novembro 2010

O jornalismo e a maçã do MacDonald's

Há umas semanas eu participei de uma entrevista para um teste vocacional de uma garota pré-vestibulanda. Foi difícil não dizer claramente que jornalismo não prestava. Você, colega de profissão, pode achar que eu fui sacana. Pode achar que eu deveria ter dito com todas as letras: não entre nessa. Mas eu não disse. Não disse assim, feito um soco do Mike Tyson. E eu juro que pensei em dizer. Levar essa escolha pra lona logo no primeiro round. Mas quando eu fui falar com a garota, que me visitou em meu local de trabalho, bateu a constatação. Feito um primeiro golpe, um jab de esquerda no queixo, eu percebi: incoerência. Sim, como eu diria a ela pra pular desse barco se eu estou lá, feito um Leonardo di Caprio - o cabelo dele é um pouco mais claro - esperando o Titanic afundar? Que baita imbecil eu sou? Se a garota estava ali pra descobrir a vocação, eu me descobria em pleno processo de questionamento da minha desvocação, vamos chamar assim. Por que tanta decepção?
Bem, lá se vão 10 anos desde a formatura. Lá se vão 10 anos desde aquela colação de grau feita em plena sala de aula com mais três colegas. Sim, eu não participei da colação com aquele vestidão. Ao final da faculdade, eu já não via motivos suficientes para comemorar. Tentei dizer isso à garota. Explicar a ela que não se escolhe uma profissão pelo curso. Não se escolhe porque gosta mais das matérias de humanas. Não se escolhe por eliminação. E não se escolhe porque simplesmente pegou a parte pelo todo, ou seja, não se escolhe porque simplesmente gosta de escrever. Não! Não faça isso. Pra escolher precisa saber se gosta de trabalhar sob pressão, se não liga em ganhar uma merreca, se não se importa em trabalhar nos feriados e finais de semana. Eu disse isso à menina. Eu disse tudo como quem publica uma matéria expondo a realidade e dá ao leitor a chance de interpretar do jeito que quiser. “É, já tava vendo que jornalismo não era uma boa”, ela disse ao final. Com toda a imparcialidade jornalística, pela reação, acho que ganhei essa luta por por pontos.
Hoje fui ao MacDonalds almoçar. Fui comer aqueles sanduíches industrializados. Cheios de conservantes. Aquilo parece comida, mas a gente sabe que na verdade não é. Lá no balcão havia uma caixa cheia de maçãs. Sim, vende-se maçãs no MacDonalds. Elas estão lá. Grandes, alinhadas, vermelhas. Parecem com aquela maçã que a bruxa deu pra Branca de neve. Eu me pergunto, por que alguém comeria uma maçã no MacDonalds? É o lugar errado pra aquilo. Mas eles oferecem a maçã. Deve ter gente que come a maçã do MacDonalds depois de triturar uma promoção do Chedder. A maçã do MacDonalds me fez pensar no jornalismo. Eu tenho comido a maçã no MacDonalds durante 10 anos. E a maçã do MacDonalds está ali no sacolão, no supermercado, na feira, no gavetão da minha geladeira. Mas mesmo assim eu vou até o MacDonalds comer maçã. Insistir no jornalismo é comer maçã no MacDonalds. É procurar no lugar errado. E insistir na procura.