21 setembro 2010

O agente de saúde iluminado

Ontem à tarde, Buda veio me visitar em forma de agente da Sucam. Daqueles que jogam pozinhos pra acabar com a dengue. Pra acabar com a larva do mosquito, o Aedes Aegypt. Tá bem, logo de cara não dava pra perceber que ele era o Buda. A não ser pela estrutura roliça do ser, nada mais me adiantava o momento espiritual latente. A descrição física do sujeito parecerá pra você nada além das mais retrógradas. O figurinista do Buda podia ter caprichado mais na caracterização do chefe. Ele, o iluminado, usava uns óculos fundos de garrafa saídos de um seriado dos anos 70. Sim, na aparição Buda era míope. E tinha um baita cecê. Buda pediu para entrar. Eu com sacola de supermercado na mão e um galão d’água vazio de 20 litros debaixo do outro braço, seguia o cara pela sala. De repente, ele para e diz com uma voz calma e tom instrutivo:

_ Ah, você tem um jardinzinho esotérico.
_ Ah é, tenho, respondi sem dar moral.     
_ Você sabe como surgiu a lenda desses jardins?
_ Não.

Daí foi como se eu ouvisse aquela voz do programa Rá-Tim-Bum falando: “Senta que lá vem a história!”. Eu não sentei. Então de pé ouvi uma história sobre um jardineiro, um escultor, um fazendeiro e um mestre. Os três primeiros queriam uma vaga como discípulo. Assim o agente da Sucam no meio de uma tarde calorenta me contava:

_ O mestre disse: tragam me um presente. Um presente de vida.

Nessa hora eu já duvidava da realidade. Entrara numa dimensão da fantasia ou do absurdo. Tive vontade de rir. Mas fiquei mesmo embasbacado. E ele continuava:

_ O fazendeiro trouxe um medalhão de ouro. O escultor um vaso muito valioso e o jardineiro um jardim, muito bonito. O mestre em sua sabedoria negou os presentes materiais e preferiu o jardim. Um bem comum a todos, onde há paz, tranquilidade e natureza. Onde todos podem se regozijar. Assim, criou-se a lenda dos pequenos jardins, como este seu.

Soltei o ar dos meus pulmões. Desde o início da conversa com o agente de saúde iluminado eu interrompi funções vitais. Eu estava em choque. Ou então era o torpor pelo cecê do Budão. Voltando à realidade, soltei um comentário leve e conclusivo ao mesmo tempo:

_ Ah, essa filosofia oriental, que coisa né?

Mas foi como se eu dissesse: “conta mais, conta mais!”
E ele contou:

_ Você conhece a fábula do monge e do samurai? Não? Bom, era assim. Há muito tempo existia um samurai. Ele participava de batalhas e guerras, matava pessoas. Certa vez surgiu na cidade um monge, muito sábio.

Aí, nesse momento da história, minha consciência ocidental criada e entupida com comédias da Sessão da Tarde, seriados da Sony e Os Trapalhões não aguentou e mostrou a cara. Em um lapso, eu movi levemente o canto da minha boca. Eu tava rindo. Mas me contive. Ali na minha frente, a história começava a fazer algum sentido.

_ Então, o samurai queria saber o que era o bem e o mal. O mestre lhe respondeu com palavras rudes, o humilhando. Então o samurai ficou com raiva e quis até matar o mestre. Este lhe disse: “Isso é o mal. Você está no inferno agora”. Então, o mestre mudou para palavras amigas, gentis, calmas e trouxe paz ao espírito do samurai. Disse-lhe: “Isso é o bem. Você está no céu agora”.

Pronto. Ponto final. Tinha acabado a história e eu tava ali com o galão de 20 litros debaixo do braço, já suado. Como se não tivesse aprendido nada, repeti:

_ Essa filosofia oriental, sabedoria pura.

Tudo ok. Eu não tinha nenhum foco da dengue em casa. Mas antes de sair, o Buda ainda me disse:

_ Atenção, tome cuidado com vasilhames. Não deixe água empoçada. Qualquer coisa ligue pra gente.

E lá se foi o agente de saúde Buda. Lá se foi ele jogando pozinho pra matar mosquito.