04 julho 2010

O complexo de pedigree

Quando Nelson Rodrigues criou a expressão complexo de vira-lata, ele se referia ao "trágico" jogo com o Uruguai em 1950 e o trauma que só acabou em 1958, quando a seleção conseguiu ser a melhor do mundo. O engraçado é que desde 58 o time da CBF venceu outros quatro campeonatos e isso parece ter destruído de vez mesmo esse complexo. A prova é que o brasileiro se acha o "dono do futebol" no mundo, o brasileiro acha que o país é o melhor e não tem pra ninguém. Por isso, não pode perder pra ninguém. Só pra ele mesmo.

"Perdeu pra ele mesmo". Essa é a frase que mais se escuta em uma derrota brasileira em uma Copa. E sempre vão arrumar um culpado. Ora o Barbosa, ora o Cerezo, Zico, Roberto Carlos . Parece que o Brasil joga sozinho. Só perde se deixar. Isso é patético.

Do outro lado há uma outra seleção. Há outros jogadores que treinaram duro, são profissionais, vivem daquilo. Conhecem o jogo como qualquer um brasileiro. E mesmo assim, sempre há essa sensação de estupefato quando o time da CBF perde. Como? Não pode perder. Somos os melhores. Não é absurdo pensar que o futebol é exclusividade brasileira? Já pensaram como isso é ridículo?

Em geral o brasileiro não sabe perder. Ele nunca reconhece a superioridade do outro. E isso parece ser normal. É um clichê nas matérias dos telejornais. Ninguém cita o adversário. Sempre perdemos pra nós mesmos. 

Depois o consenso geral manda todos acharem os argentinos arrogantes. "Eles se acham os melhores", dizem. Quem se acha o melhor cara pálida? Como os argentinos se atrevem? Lá eles comemoram nossa derrota, aqui vibramos com a derrota deles. E os dois países, de maneira patética, não percebem que ambos estão de fora. Estão de fora, inclusive, da lista de lugares nesse planeta que oferecem qualidade de vida digna às suas populações. Talvez, essa rivalidade de butequim explique muito bem a situação dos dois países.

"O Maradona é um escroto", eles dizem. O treinador que entrou dentro de campo e abraçou seus jogadores, consolou um por um e ainda cumprimentou os adversários foi o Maradona. Engraçado, não é? O escroto e arrogante disse em sua coletiva de imprensa que os adversários foram melhores, mas que mesmo assim tinha orgulho de seus jogadores. Legal, é esse comportamento que se espera de um esportista. Dunga? Acabou o jogo e saiu esbravejando, xingando. Deixou seus jogadores em campo, derrotados. Ignorou os vencedores. 

Talvez o brasileiro tenha um complexo de vira-lata tão grande mesmo que isso explique os arroubos de magnitude. É preciso se iludir que somos os maiores em algo. E sempre são coisas fugazes. Somos o país do futebol, somos os mais alegres, nossa música é a melhor do mundo, temos mais ginga. Somos o país do futuro, afinal, Deus é brasileiro. Tudo isso é abstrato. Não temos a melhor educação, saúde, moradia. Isso nos torna vira-latas. Mas temos o futebol. É o complexo de pedigree. 

Ah, só uma coisa, esse texto não serve pra todo mundo. Pra todo brasileiro. Porque generalizar é péssimo, é a porta aberta para entrar em uma sala cheia de clichês. E em época de Copa dá até vontade de vomitar de tantos clichês na TV. O alemão é frio, o argentino é arrogante, o brasileiro é alegre. Eu já passei dessa fase. Isso não cola mais. Acho melhor o país refletir no que pode ser melhor na prática, não ficar sempre na ilusão. Afinal uma hora a realidade pode bater na cara, de modo até acachapante. 2014 tá aí. Um fracasso retumbante na organização do campeonato pode deixar às claras que os melhores do mundo no futebol são uma grande nação de incompetentes.