16 julho 2010

O bafo

Relendo uns textos antigos, percebo que um dia escrevi sobre bafo. Isso mesmo, o bafo.

Segue.

O Bafo

A conivência das pessoas quando alguém está com bafo é tocante. Elas resistem, aspiram menos oxigênio e continuam perto do locutor mal-cheiroso. Entre um locutor e um receptor não existe apenas palavras, sons, gestos. Existe bafo. Eu esqueço de muitas palavras e de temas inteiros de uma conversa, mas eu consigo abrir os arquivos da memória e tirar de lá o odor de um bafo. Eles parecem ficar guardados dentro de vidros, como aqueles de compota de goiaba. Basta eu lembrar da ocasião e do rosto de quem vociferou odores. Consigo lembrar a classificação de cada bafo. Há aqueles bem podres. Caso médico. Só pode ser gengivite, problema estomacal. A compaixão é até maior. Há os bafos de bebida. Geralmente, esses são acompanhados de lembranças desagradáveis. Como a de um bêbado falando bem dentro do seu ouvido: 'te conheço desde pequeno... sou amigão do seu pai, ó... amigão... he,he'. E tome bafo. Existe o bafo plus. Esse vem acompanhado de cecê. A catinga se mistura, é um bafo híbrido. Parecido com esse existe outro bafo híbrido. Esse minha esposa catalogou. Segundo ela, é o bafo misturado com desodorante masculino. Perfume tipo Axe. Dia desses fomos em uma academia pra saber preço de matrícula, mensalidade. Um instrutor nos convidou para um tour pelo recinto. Se malhação me deixar com aquele bafo, prefiro o sedentarismo. Ele tinha o híbrido bafo-desodorante. Nauseante. Eu confesso que às vezes fico com bafo causado pela ingestão exagerada de cebola. É como ocorre na vida: sempre tem o lado ruim de uma coisa boa. Em outras ocasiões já tive o bafo-cansaço. É aquele que você passa muito tempo sem comer e beber nada, e ainda tem de falar muito. É o bafo-trabalhador. Algumas pessoas tem o bafo tão marcante que quando vão embora deixam o espectro pra trás. Infestam o ambiente. O bafo é pior é que o peido. O peido se esvai. Dura um tempo breve após a eclosão. O bafo sai por aí. Acompanha o dono por onde vai. Não tenho neuras, mas já fiquei algumas vezes cabreiro quando alguém do nada me oferecia uma bala daquelas geladas, fortes. Ali no canto, eu com a mão em concha conferia meu assopro. Mas tudo bem. Pra terminar, eu não posso me esquecer de um tipo de bafo muito cruel e que pode conferir a um diálogo um cheiro que não lhe pertence. Esse bafo não é produzido ali, mas foi. É o telefone-bafo. A mufunha fica impregnada no aparelho e não adianta oferecer balinha. Imaginem se as pessoas fossem sinceras? "Humm, cê tá com bafo, viu". Não, acho improvável. Mas pode ser diferente. Eu imagino as pessoas oferecendo um bom-bafo como oferecem uma saudação. "Tudo bem? Bom bafo, tchau!".

Posted via email from O trem de Doido - Crônicas