12 novembro 2009

Ninguém

Luciano para o carro em frente à farmácia. Desliga o motor. Olha para os lados. Ninguém conhecido parece estar ou entrar dentro da loja. Permanece de óculos escuros. Abre a porta do carro. Ninguém conhecido parece rondar a região. Ajeita a carteira dentro do bolso traseiro da calça. “Vamos lá”, motiva-se.

Luciano abre a porta da farmácia. Ninguém vem atendê-lo. Permanece de óculos escuros. Então ele apressa o passo para o corredor dos xampus. Ninguém vem atendê-lo. Ele passa o olho rapidamente pelos produtos. Procura o que quer, procura pelas palavras. Tira os óculos escuros. Lê anticaspa, condicionador, jaborandi. “Não, não, droga...”, lamenta.

“Em que posso lhe ajudar?”, pergunta a atendente.

“Só tô olhando”, responde Luciano.

Já em casa Luciano vai ao banheiro. Bate os olhos no espelho e lembra da farmácia. “Nossa, que vergonha...ninguém diz 'tô só olhando' em uma farmácia, que anta”. Mas enfim, o espelho lembra o motivo da visita à farmácia.

A decisão foi de Luciano. Ninguém aconselhou, ninguém indicou, ninguém cobrou. Só ele e o espelho. Aliás, ninguém avisa a hora certa. Mas Luciano tem certeza de que alguém vai reparar em breve. Então, é melhor agir logo. Sem que ninguém saiba. E se ninguém dá o toque, ele também não precisa contar.

Dessa vez, Luciano vai andando. Nada de carro. Entra na farmácia e vai pra balança, direto. Nem repara que engordou. Mais um pouco. Vai ao corredor dos xampus. Bate o olho. Procura. “Rápido, rápido”, incentiva. Enfim, encontra. Sem pensar muito, nem ler o rótulo, parte em direção ao caixa. Calado, tira a carteira do bolso traseiro, paga e vai embora. No caminho, como um menino que esconde uma revista de sacanagem em uma sacola, esconde o produto no sovaco. “Deixa chegar lá em casa, deixa...”.

Em frente ao espelho, começa a fazer tudo que estava no rótulo. “E você é testemunha, né. Só você... que ironia”, fala ao espelho. Depois de meia hora Luciano lava os cabelos. Corre ao espelho, de novo ele. “E então, gostou?”, pergunta ao vidro, que responde usando o próprio sorriso de Luciano. “Ninguém mais vai ver”. Ótimo. Não há mais fios brancos. Pela primeira vez na vida, Luciano pinta os cabelos.