27 junho 2008

O limpador de vidros

Eu lavo vidros. Não só lavo, mas seco também. Uso um puxador fino de borracha com o cabo comprido. A empresa que trabalho tem exatamente 300 vidros. Eu comecei a trabalhar aqui tem cinco meses. Lavar vidro não foi minha primeira função, antes, eu comecei como retirador e carregador de lixo. Era pior. Não porque fede mais, ou a função é mais suja. Mas porque os outros funcionários te olham de um jeito diferente. Eu carrego o lixo deles, acho que é por isso. Nos corredores sempre cruzavam o olhar com o meu, mas desviavam para o saco de lixo, para o carrinho carregado de lixo. Parece que no fundo tinham o pensamento: 'será que o meu lixo tá ali?'. Mas nem era isso. O negócio é que pra mim parecia um desprezo. Aquele olhar. Do meu olho, pro meu lixo. E eles passavam por mim, pelo cara do lixo. Enquanto uns ficavam no telefone, em reuniões, eu catava lixo. Mas nem ligo. Desde os 13 anos eu faço essas funções que me rebaixam. É como se eu vivesse um degrau debaixo de todo mundo no mundo. Sempre lá. Mas tem outros que vivem comigo lá, e outros que vivem mais debaixo ainda, onde nem degrau deve ter. Deve ser só o chão de terra. Nossa, tô viajando de novo. Eu não sou revoltado, não, só penso demais. E quando pensa demais chega a umas idéias loucas. Eu queria mesmo é ter uma idéia pra ganhar dinheiro. E nem quero dinheiro fácil, porque se já trabalho muito e não ganho nada, trabalharia mais ainda pra ganhar bem. O meu trabalho é bem lento. Eu gosto. Eu faço devagar e com paciência. O negócio é jogar o lava-vidros e passar em seguida o rodo. Até desembaçar. E nisso aqui eu fico pensando. Pensando. Um por um. Quando o pensamento viaja, eu acho que aparecer a idéia pra ganhar dinheiro é mais fácil. Porque quando vou forçando as idéias, pensando, num dá em nada. Eu desanimo mesmo nessa hora. Aí vem a idéia de que eu sempre vou ser pobre. E acho que vou ser mesmo. É melhor conformar. O negócio é que é bom sonhar. Eu venho no trabalho pra sonhar. Limpo vidros e sonho.